Quem tem um filhote em casa, seja de cachorro ou gato, em geral, sabe: é preciso vacinar o pequeno. E depois, quando ele vira adulto? Normalmente, a campanha anual de vacinação contra a raiva é conhecida. Mas e quanto às demais vacinas para prevenir doenças comuns? Estamos falhando na proteção dos nossos bichos de estimação?

O médico veterinário Alan Mora, sócio-fundador da rede de hospitais VFP, afirma que ainda é comum existirem confusões por parte dos tutores quanto ao calendário vacinal dos pets. Ele conta nesta entrevista quais são as vacinas essenciais e chama atenção para a taxa de vacinação de cães e gatos – os índices de imunização dos felinos estão abaixo do desejável.

IstoÉ Pet – Qual a importância da vacinação para a saúde, o bem-estar e a longevidade do pet?
Alan Mora – A vacinação de cães e gatos tem vários objetivos, entre eles prevenir doenças que podem evoluir de maneira grave, ocasionando sérios danos à saúde e podendo levar o animal ao óbito, como cinomose, parvovirose, raiva e leucemia felina. Nos casos de infecção, animais vacinados podem ter um curso clínico mais brando da enfermidade e com menos complicações. A vacina prepara o sistema imunológico, permitindo que, caso haja infecção, o organismo seja capaz de reagir de maneira mais eficaz. Também auxilia na redução da disseminação de males, visto que a vacinação reduz a circulação de patógenos na população, diminuindo a transmissão de doenças entre pets e contribuindo para o controle de surtos em ambientes como abrigos, canis e gatis. Portanto, a vacinação é crucial para garantir o bem-estar e a longevidade dos pets, protegendo-os contra doenças graves e potencialmente fatais, promovendo uma vida mais longa, saudável e livre de sofrimento. Além disso, as vacinas contribuem para a estimulação e modulação do sistema imunológico, promovendo a produção de anticorpos específicos e memória imunológica, o que fortalece a capacidade de resposta do organismo.

IstoÉ Pet – Quais são as principais vacinas para cães e gatos?
Mora – De acordo com as diretrizes de 2024 para a vacinação de cães e gatos da World Small Animal Veterinary Association, as vacinas essenciais são aquelas que todos os cães e gatos devem receber, independentemente de sua localização ou estilo de vida, para proteger contra doenças graves e potencialmente fatais.
• Vacinas essenciais para cães: contra a cinomose canina (CDV), parvovirose canina (CPV), hepatite infecciosa canina (CAV-1), leptospirose (Leptospira spp) e raiva.
• Vacinas essenciais para gatos: contra a rinotraqueíte viral felina (FHV-1), calicivírus felino (FCV), panleucopenia felina (FPV) e raiva.
Além delas, podem ser recomendadas vacinas não essenciais, dependendo do estilo de vida do pet, da área geográfica onde reside e de fatores específicos, como a exposição a outros animais, acesso à rua ou o risco de doenças. Exemplos: vacinas contra a leishmaniose em cães e contra a leucemia felina em gatos.

IstoÉ Pet – A partir de que momento as vacinas entram na rotina e como é o calendário?
Mora – A vacinação deve começar a partir de 6-8 semanas de idade, tanto para filhotes de cães quanto para gatos. Durante a primeira fase da vida do animal, a imunidade passiva (proporcionada pelo colostro materno) pode afetar a resposta à vacinação. Por isso, é importante seguir um cronograma de reforços.
• Primeira dose: 6-8 semanas de idade (para filhotes que não receberam imunização precoce ou que estão com a mãe desprotegida).
• Segunda: 9-12 semanas.
• Terceira: 12-16 semanas.
Após a terceira dose, a imunização básica está concluída, mas reforços anuais ou a cada 3 anos (dependendo da vacina utilizada) devem ser realizados, com destaque para as vacinas de raiva, que têm exigência legal de reforço anual ou bienal em várias regiões.

IstoÉ Pet – As pessoas se confundem muito o calendário?
Mora – Sim, infelizmente ainda é comum existirem confusões por parte dos tutores quanto ao calendário vacinal de seus pets, o que pode levar a atrasos ou falhas na imunização.

IstoÉ Pet – Quais são os fatores que atrapalham a vacinação correta? Preços das vacinas? Falta de conscientização?
Mora – Segundo um levantamento da Vigilância Sanitária e estudos realizados pela Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), aproximadamente 70% a 80% dos cachorros são vacinados de acordo com as orientações veterinárias. A vacinação contra a raiva é obrigatória e tem uma alta taxa de cobertura, especialmente em áreas urbanas. Já a contra doenças essenciais como a cinomose e a parvovirose é mais baixa, com índices abaixo de 60% em algumas regiões do Brasil, como as áreas rurais e periféricas.
A cobertura vacinal de gatos no Brasil é ainda mais crítica. Apenas 50% a 60% dos felinos recebem as vacinas essenciais, com destaque para a raiva, rinotraqueíte e panleucopenia. Isso se deve, em grande parte, à falta de acesso a serviços veterinários e à falta de conscientização dos tutores sobre a importância da vacinação. Fatores que atrapalham a vacinação correta envolvem falta de conscientização e preço das vacinas. Muitos tutores não compreendem a importância das doses de reforço, pois acreditam que somente a primeira é suficiente para a proteção dos animais. Ou eles não sabem quais vacinas são realmente necessárias. O custo é um dos maiores obstáculos para a vacinação adequada dos animais. Um estudo da Abinpet aponta que cerca de 30% dos donos de animais enfrentam dificuldades econômicas para garantir a vacinação dos pets. Em áreas mais rurais e periféricas, o acesso a clínicas e centros de vacinação é limitado. Estima-se que mais de 50% das áreas rurais no Brasil não possuam clínicas veterinárias de fácil acesso, o que dificulta a vacinação regular de pets nessas regiões. Muitos tutores não consideram a vacinação como prioridade, especialmente em animais de apartamento ou domésticos, que não têm contato com ambientes de risco. Isso resulta em atrasos nas vacinas de reforço e até em abandono da vacinação após a série inicial.

IstoÉ Pet – Existe diferença entre vacina brasileira e vacina importada?
Mora – Sim! Embora ambas passem por testes de análise e sejam aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para serem comercializadas, existem diferenças. Não há estudos que comparem diretamente as vacinas nacionais e importadas para cães. Contudo, o mais importante é garantir que qualquer vacina seja armazenada e refrigerada conforme as orientações da Anvisa. As importadas costumam ser chamadas de “vacinas éticas”, uma vez que sua venda é restrita a veterinários, o que assegura que o transporte e armazenamento sejam realizados de forma adequada. Já as nacionais podem ser adquiridas em lojas de produtos agropecuários e podem ser aplicadas em casa pelo tutor ou por qualquer outro profissional que não seja médico veterinário, sem a obrigatoriedade de supervisão técnica. Isso pode resultar em falhas no transporte ou armazenamento, especialmente quando quem as adquire não tem o conhecimento sobre o manuseio adequado. Portanto, o ideal é que a vacinação seja realizada por um médico veterinário, que deve realizar um exame físico completo no animal antes da aplicação, garantindo que o pet esteja apto para ser vacinado.

IstoÉ Pet – Alguma vacina causa incômodo no animal? O que fazer para ele ficar melhor?
Mora – As vacinas são fundamentais para proteger cães e gatos contra doenças graves, mas, em alguns casos, podem causar reações adversas. A maioria é leve e temporária, porém algumas podem necessitar de atenção veterinária. As reações podem ocorrer logo após a aplicação ou algumas horas depois.
Reações no local da aplicação: pode ocorrer inchaço, vermelhidão, dor e, às vezes, um aumento do volume com aparência de nódulo, que tende a desaparecer após alguns dias. Para aliviar o desconforto, é recomendado o uso de compressas frias na área afetada.
Febre: alguns animais podem apresentar aumento da temperatura corporal após a vacinação. Nesse caso, é importante proporcionar um ambiente fresco, oferecer água gelada e, se necessário, administrar medicações para controle da febre, sempre sob orientação veterinária.
Cansaço ou letargia: a ativação do sistema imunológico pode fazer com que alguns animais fiquem mais cansados ou sonolentos após a vacina. O descanso é essencial nesse período. Evite atividades físicas intensas e mantenha o pet em um ambiente tranquilo.
Reações alérgicas: podem ocorrer coceira, edema de face ou áreas vermelhas pelo corpo. Na maioria dos casos, as reações são passageiras e podem ser tratadas com antialérgicos prescritos pelo veterinário. Se os sintomas forem mais intensos, é fundamental buscar atendimento veterinário imediato.

IstoÉ Pet – Há vacinas para males muito específicos?
Mora – Sim, existem vacinas para condições que não são amplamente comuns, mas que ainda representam riscos para a saúde de cães e gatos, principalmente em determinadas regiões endêmicas ou animais com predisposições específicas. São exemplos as vacinas contra a leishmaniose visceral, contra a traqueobronquite infecciosa canina (“tosse dos canis”) e contra a giárdia.