Quem ama cuida. Mas, no mercado pet, esse cuidado nem sempre é o que parece.
Nos últimos meses, os casos de maus-tratos dentro de creches, hotéis e serviços de banho e tosa se multiplicaram nas redes sociais e nos noticiários. São vídeos, prints e relatos que chocam, mas que, para quem está no setor há mais tempo, infelizmente, não surpreendem. Isso porque o crescimento acelerado da demanda por serviços pet não foi acompanhado pela mesma velocidade na fiscalização, na formação de profissionais ou na profissionalização da gestão.
Estamos falando de um setor que cresce a dois dígitos por ano, com centenas de estabelecimentos abrindo portas sem um mínimo de preparo para lidar com o que há de mais sensível: vidas. E não qualquer vida. Vidas que carregam o afeto, a confiança e a vulnerabilidade de uma família inteira.
Falo com conhecimento de causa. Em 2023, assumi a gestão de uma creche e hotel para cachorros que, até então, estava no centro de uma grave denúncia de maus-tratos. A decisão de comprar aquele negócio foi dura, mas necessária. Porque, por trás da fachada, havia cães que continuavam ali, diariamente, sob risco. E famílias que não sabiam mais em quem confiar.
Reformamos tudo. Instalamos câmeras em tempo integral, contratamos veterinários, mudamos processos e, principalmente, mudamos a cultura.
Mudamos até a cor da unidade. Pintamos tudo de verde, literalmente, para quebrar qualquer associação com a antiga gestão. A ideia era, inclusive, sair daquele imóvel, mas não encontramos uma nova sede viável. Permanecemos, e, ao longo de 18 meses, reconstruímos o espaço com tanto cuidado que ele voltou a crescer. Agora, chegou a hora de dar nossa cara a ele de vez.
Reconstruir a confiança leva tempo. E é justamente esse o ponto central da discussão: quando há falha, o prejuízo não é só físico. É emocional, reputacional e estrutural.
Hoje, qualquer pessoa pode abrir um banho e tosa. Não há exigência técnica, nem validação de competências comportamentais. As leis que regem o setor são vagas, e o controle sobre o que acontece dentro dos estabelecimentos é praticamente inexistente. Quem deveria fiscalizar não dá conta. E quem se omite ou negligencia aproveita o vácuo de regulação para lucrar em cima da pressa e do desconhecimento do cliente.
O resultado? Profissionais despreparados, cães traumatizados, tutores indignados e um setor que, a cada escândalo, perde credibilidade.
O mercado pet já é grande demais para continuar operando como se fosse informal. E, quando falha, não são só os animais que pagam o preço. É a credibilidade de todos nós. Quem trabalha certo precisa se posicionar. Quem contrata, precisa exigir mais. Só assim a gente eleva o padrão e vira o jogo.