Se alguém entrou recentemente em uma mercearia de bairro em Nova York e viu um gato, confortável em seu canto, saiba que esteve diante de um dilema na cidade. Queridos por muita gente, os felinos que vivem nesse tipo de estabelecimento, conhecido como bodega, são foco de uma petição online que coloca de um lado ativistas e apaixonados por pets e do outro, autoridades sanitárias locais. Pela lei, bichanos não podem estar ali. Na prática, porém, os bodega cats, como são chamados, têm uma “missão” a zelar, além de cativarem clientes: os gatos protegem a loja da invasão de ratos.

Quem lançou a petição e lidera o movimento que busca legalizar os gatos de mercadinhos de bairro, outra forma de se referir às bodegas, é um morador do Brooklyn, Dan Rimada. Ele virou criador de conteúdo, ativista e empreendedor à medida que o perfil que abriu no Instagram – Bodega Cats of New York – passou a chamar mais atenção para esses animais, que, embora não sejam oficialmente ícones de Nova York, poderiam ser.

Rimada decidiu, em 2022, compartilhar fotos e vídeos dos bodega cats que encontrava pela cidade. “Sempre me fascinou como esses gatos se tornam, silenciosamente, parte dos bairros em que vivem. Eles são engraçados, misteriosos e, de algum modo, parecem estar sempre exatamente onde deveriam estar”, disse para IstoÉ Pet.

O ponto polêmico em torno dos pets que vivem nessas lojas é que uma lei estadual proíbe a presença de qualquer animal em estabelecimentos que vendem alimentos. Que é o caso das bodegas. Para Rimada, os proprietários vivem uma contradição: ou são multados se as autoridades sanitárias encontrarem roedores na mercearia ou são multados se eles se depararem com gatos – que estão lá para combater os ratos. Há quem prefira correr o risco das multas pela presença felina: não abre mão do bichano na loja.

A popularidade dos bodega cats no Instagram

As bodegas foram fundadas por imigrantes porto-riquenhos e dominicanos que viviam em Nova York nas décadas de 1950 e 1960. O foco dessas mercearias (significado da palavra de origem espanhola) era atender a trabalhadores noturnos com uma variedade de produtos, entre eles alimentos. Com o tempo, elas também se tornaram propriedades de egípcios, paquistaneses e indianos. O nome em espanhol persistiu. Virou tradição.

Gatos nesses ambientes não são novidade. Hoje, porém, eles ficaram mais populares com o trabalho de Rimada e de outros perfis que também registram os bichanos nas redes. O perfil Bodega Cats of NY tem 48 mil seguidores. Já o Bodega Cats of Instagram alcança mais de 530 mil pessoas.

Não há dúvida que a popularidade dos gatos na internet também exerce efeito. Os bodega cats desfilando por balcões e corredores só poderiam mesmo conquistar corações na mídia social.

A petição online pede que se ofereçam serviços de baixo custo para os donos de lojas; assim, eles podem cuidar melhor dos felinos como Prince. Crédito – Dan Rimada

O que é a certificação para gatos de mercearia em NY

Lançada em abril, a petição online é uma tentativa de legitimar os gatos como animais de serviço. Rimada propôs um sistema de certificação para donos de bodegas, que atestariam padrões de higiene, saúde e bem-estar dos animais. O projeto pede apoio aos pequenos negócios e oferta de serviços de baixo custo – ou até de graça – para manter esses cuidados, o que inclui castração.

Para ter direito à certificação, o proprietário do estabelecimento teria de fornecer comprovante de vacinação do gato e documentação assinada por veterinário mostrando que ele efetivamente cuida do bichano. É necessário ainda mostrar que o animal tem onde ficar. Ele não fica preso em porões, por exemplo.

A ideia do movimento é obter o reconhecimento do papel funcional desses gatos, ajudando não apenas no controle de praga como também na conexão afetiva com os moradores de bairro. Os mercadinhos frequentemente estão associados às comunidades da região. Ou seja, esses animais estão ligados às histórias de cada vizinhança.

Fundo de US$ 30 mil para ONGs que cuidam de felinos

Junto com a ação online, foi criado um fundo para garantir exames e outros cuidados para os bichos. O objetivo é chegar a US$ 30 mil. Até o momento, mais de 12 mil pessoas assinaram a petição e doaram dinheiro para o fundo, que vai beneficiar seis ONGs da cidade. A arrecadação atingiu 23% da meta. Ela se encerra no dia 30 de junho.

Na petição, Rimada tem a companhia de mais dois perfis das redes sociais voltados para esses felinos: @shopcatsshow e @bodegacatspirits. “O que começou como um projeto divertido de fotos se transformou em algo muito maior: uma forma de dar visibilidade a esses animais, apoiar seus cuidados e reunir pessoas em torno de um traço comum da vida na cidade”, explicou.

A ideia é obter o reconhecimento do papel funcional de gatos como Omish, que também têm conexão afetiva com as comunidades em que as bodegas estão inseridas. Crédito – Dan Rimada

A luta é para reconhecê-los como animais de serviço com proteções garantidas

“Para esclarecer: não estamos propondo literalmente uma ‘zona dos gatos’, mas sim uma mudança mais ampla no modo como esses animais são vistos. O objetivo imediato é criar recursos comunitários: cuidados veterinários acessíveis, apoio aos donos das lojas e reconhecimento do papel que os bodega cats desempenham na vida nova-iorquina”, reforçou Rimada.

Ele afirmou que o objetivo de longo prazo representa uma transformação maior. “É mudar a forma como a cidade classifica esses animais. Em vez de vê-los como violações do código sanitário, queremos que sejam reconhecidos como animais de trabalho com proteções garantidas. Pense nisso como um sindicato dos gatos de bodega”.

Recursos, não multas

Perguntado sobre a postura das autoridades locais até o momento, ele afirmou que a questão é complicada. “Tecnicamente, o código de saúde proíbe animais em estabelecimentos alimentícios, mas, na prática, os gatos de bodega fazem parte de Nova York há gerações. Não estamos pedindo mudanças legais abruptas. Estamos pedindo que a cidade reconheça algo que já existe e ofereça apoio com compaixão. Isso significa fornecer recursos, não punições”.

Dan Rimada é morador do Brooklyn e é tutor de dois gatos, que ‘mandam na casa’. Crédito – Arquivo pessoal

Tutor de dois gatos de seis anos da raça ragamuffin, Cocoa e Charles, Rimada, de 36 anos, disse que eles não vivem em uma bodega, “mas com certeza mandam na casa”. De um modo geral, são felinos que ditam seus rumos hoje. “Dirijo um negócio criativo que mistura storytelling, passeios guiados a pé e merchandising — tudo centrado em gatos e na cultura nova-iorquina”, contou.