Conhecidos por sua autolimpeza rigorosa, os gatos usam o grooming como uma ferramenta essencial de higiene, conforto e bem-estar. Esse é o nome que se usa para o momento em que os animais se lambem e retiram o excesso de pelos – que são engolidos e eliminados nas fezes – e mantém a pele saudável. É possível auxiliar nesse processo, escovando o pet, uma prática que pode ser adotada quando ele é filhote – nem todo felino gosta do acessório.

Mas mudanças no comportamento natural, seja na redução da limpeza ou no excesso de lambedura, podem indicar dor, estresse ou alguma doença. Nesse contexto, o grooming felino profissional vem ganhando espaço no Brasil, não apenas como um serviço estético, mas como um aliado da saúde dos gatos, desde que realizado por profissionais capacitados, que realmente entendam como são os felinos e que tenham experiência e produtos adequados para esses animais. É o que mostra a médica veterinária Karin Botteon, gerente técnica de pets da Boehringer Ingelheim, nesta entrevista.

O que é grooming felino?

Grooming é o comportamento de limpeza que os gatos fazem em si mesmos ou em outros gatos. Eles usam a língua para lamber o pelo, remover sujeiras e pelos soltos e manter a pele saudável. Também ajuda a regular a temperatura corporal e espalhar o próprio cheiro do gato pelo corpo, reforçando sua identidade. Sem contar que o grooming fortalece vínculos sociais quando os gatos se limpam mutuamente, podendo ser uma forma de relaxamento e de vínculo social.

Quando é preciso ajudar nesse processo? O foco está nos mais peludos?

Todo gato faz grooming naturalmente, mas a necessidade do grooming realizado com o apoio de um médico-veterinário pode variar. Gatos de pelo longo e semilongo (persa, maine coon, ragdoll etc) são o principal foco porque tendem a formar nós e ingerir mais pelos. Gatos de pelo curto costumam precisar menos, com escovação regular e tosa higiênica ocasional. Idosos, obesos, gatos com dor (como osteoartrite) ou braquicefálicos [animais de focinho curto e crânio achatado] podem ter dificuldade de se auto higienizar. Eles se beneficiam bastante do serviço. Alterações no grooming natural são sinais de alerta. Se o gato reduz a autolimpeza ou para de se limpar, pode haver dor, mal-estar ou doenças (por exemplo, problemas dentários, Doença Renal Crônica, hipertireoidismo). Já o excesso de grooming com falhas de pelo, pele irritada ou lambedura localizada pode indicar alergias, parasitas, dor ou estresse. Antes de agendar um serviço, vale consultar um veterinário se houver mudança evidente no padrão de limpeza.

O objetivo do grooming profissional no caso dos gatos é mais estético?

Tem efeitos estéticos e, sobretudo, funcionais e de saúde. O grooming profissional previne nós e feltragem [embaraçamento intenso e compacto dos pelos, que forma placas duras e aderidas à pele do animal, semelhantes a feltro], reduz dermatites e feridas sob os nós, diminui queda de pelos e formação de bolas de pelo, melhora conforto térmico e higiene (especialmente nas regiões perianal e das patas) e ajuda a identificar precocemente pulgas, infecções fúngicas, feridas e nódulos. Do ponto de vista comportamental, o grooming natural é parte da autorregulação emocional do gato; porém, excesso de lambedura pode se tornar compulsivo em situações de estresse e interferir nas atividades normais. Também há padrões de lambedura que sugerem problemas específicos: por exemplo, gatos com dor urinária (cistite ou outras doenças do trato urinário inferior) tendem a lamber exageradamente a região abdominal, causando falhas de pelo na parte inferior da barriga, coxas internas e ao redor dos genitais. A tosa completa (como “lion cut”) deve ser usada com critério, pois pode causar sensibilidade cutânea e não é indicada como rotina sem necessidade clínica. Se houver sinais de alergia, parasitas ou dor, a prioridade é a avaliação veterinária; o grooming profissional complementa o cuidado, mas não substitui o diagnóstico.

Como identificar os bons profissionais?

Bons groomers são “cat-friendly” e começam avaliando saúde e temperamento, incluindo perguntas sobre mudanças no grooming natural (menos ou mais lambedura, falhas de pelo, pele irritada) e, diante de suspeita clínica, recomendam consulta veterinária antes do procedimento. O manejo é de baixo estresse, como ambiente sem cães, agendamento individual, uso de toalhamento “burrito” [em que o bicho é envolto suavemente pela toalha, deixando exposta a área a ser trabalhada], pausas, feromônios felinos, secadores silenciosos, sem scruffing [prática de segurar pela pele do cangote] como técnica padrão. Não usam gaiolas de secagem quentes, sedação é feita apenas quando ela é necessária e é realizada exclusivamente por médico-veterinário, recusam casos que exigem sedação fora do consultório. Os conceitos “cat friendly” e “Fear Free” devem ser sempre levados em consideração: os profissionais precisam ter experiência comprovada com gatos, produtos próprios para felinos, ferramentas adequadas e em bom estado, além de transparência sobre plano, limites, preços e tempo de serviço. Avaliações e fotos de antes/depois sem sinais de irritação cutânea ajudam a confirmar a qualidade.

O grooming felino profissional está crescendo no Brasil?

Sim, está em expansão. O mercado pet brasileiro é um dos maiores do mundo, e a população de gatos cresce ano a ano, segundo um levantamento do IPB (Instituto Pet Brasil), divulgado em maio, elevando a demanda por serviços “cat-friendly”. A conscientização sobre comportamento e bem-estar felino, incluindo o papel do grooming natural e seus sinais de alerta quando alterado, também impulsiona a busca por profissionais especializados. O movimento começou de forma tímida dentro de pet shops voltados a cães e evoluiu para serviços dedicados a felinos, com protocolos de baixa ansiedade e agendamentos exclusivos. Hoje já existem salões e profissionais que atendem apenas gatos nas principais capitais.

O comportamento regula a temperatura corporal e espalha o próprio cheiro do gato pelo corpo, reforçando sua identidade. E fortalece vínculos sociais quando os gatos se limpam mutuamente. (Crédito:Unsplash/Vinx Teoh)