Veterinários vão poder recorrer à utilização de substâncias canabinoides para tratamentos de diversas doenças em bichos de estimação e em outros animais. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou no final de outubro a regulamentação do uso de Cannabis sativa em produtos veterinários no país. O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) é o órgão responsável pela regularização dos itens que serão disponibilizados no mercado.

A decisão altera a Portaria SVS/MS 344/1998, que trata de substâncias e medicamentos controlados no Brasil e que traz critérios sobre prescrição. Com a medida, veterinários habilitados pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) poderão prescrever remédios à base de Cannabis sativa registrados pela Anvisa; produtos com autorização sanitária emitida pela agência; e itens de uso exclusivo para animais regularizados pelo Mapa (para serem liberados, eles terão de comprovar eficácia).

Os remédios devem ser prescritos em receitas especiais, que serão retidas nas farmácias, como já ocorre com outros medicamentos controlados. A manipulação de produtos à base de Cannabis continua proibida no país.

Um grupo de trabalho do CFMV foi peça importante para a aprovação. A veterinária Caroline Campagnone, pesquisadora em cannabis medicinal e que fez parte desse time, explicou que, antes da autorização da Anvisa, a substância estava classificada na lista de itens proscritos.

No entanto, remédios e produtos já vinham sendo usados por meio de importação de itens de marcas de fora que já produzem para pets. Para isso, os tutores precisavam ter a prescrição de um veterinário e autorização da Anvisa para importar. Em alguns casos, eram usados os indicados para tratamento humano – que eram prescritos para os pets de forma off label (quando a utilização é diferente da que consta na bula). E outro recurso era com a ajuda de associações brasileiras que têm autorização para produzir medicamento à base de canabinoides.

Caroline destacou que, antes da aprovação da Anvisa, o cenário gerava insegurança jurídica. “Médicos-veterinários que prescrevessem tratamentos com canabinoides, como o THC, corriam risco de serem acusados de tráfico de drogas. Com a nova regulamentação, os profissionais poderão utilizar a cannabis de forma segura e legal, sem o risco de penalidades”, declarou.

A regulamentação aponta para a importância da especialização do médico-veterinário na área de endocanabinologia. “Embora agora tenham permissão legal para prescrever, eles precisam de conhecimento sólido e aprofundado, uma vez que as dosagens e aplicações requerem cuidado específico e ajustado a cada caso”, disse Caroline.

Assim como no tratamento de doenças em humanos, a cannabis e os canabinoides têm demonstrado eficácia para combater dores e outros problemas de saúde em pets, de acordo com estudos recentes. “O sistema endocanabinoide, presente nos animais, é responsável pela manutenção do equilíbrio corporal, auxiliando no controle de dor, inflamações, crises convulsivas, além de contribuir para a estabilidade emocional e imunológica. O uso de canabinoides endógenos (naturais) e exógenos (administrados) permite tratar essas deficiências de maneira complementar, trazendo qualidade de vida aos animais”, afirmou a especialista.

Segundo Caroline, a decisão da Anvisa representa o resultado de anos de trabalho por grupos técnicos e profissionais da área veterinária, que desde 2023 buscam desenvolver uma regulamentação adequada e segura. “O CFMV participa ativamente na formulação de diretrizes para garantir que o uso da cannabis seja feito de forma ética e responsável. A aprovação representa um marco que amplia as possibilidades terapêuticas e promove uma medicina veterinária focada no bem-estar animal e na qualidade de vida de seus pacientes”, completou.