Imagine se, toda vez que uma dor de cabeça surgisse, você mandasse uma foto no WhatsApp para seu clínico geral e ele respondesse: “Toma isso aqui e, se não melhorar, me avisa”. Sem consulta, sem exame, sem prontuário. Soa irresponsável, certo? Pois é exatamente isso que vem acontecendo todos os dias na rotina de veterinários em todo o país.
A prática da “consulta por WhatsApp” virou um fenômeno silencioso e perigoso. O responsável pelo pet manda uma foto da pele, um vídeo da tosse, uma descrição de comportamento estranho e espera uma orientação imediata, sem agendamento, sem pagamento e, pior, sem considerar o conhecimento técnico necessário para oferecer uma resposta segura.
Essa informalidade que, à primeira vista, parece inofensiva, corrói por dentro o valor da profissão veterinária. Profissionais que passaram anos se especializando, que investem constantemente em formação e atualização, estão sendo pressionados a exercer seu trabalho de forma gratuita, na correria entre atendimentos e plantões.
E aqui vale ser direto: se um profissional cobra R$ 200 por uma consulta, mas passa o dia respondendo dúvidas gratuitas por WhatsApp, algo está errado no modelo. E não é no valor da consulta. É na forma como a profissão vem sendo tratada.
A conta não fecha. E, como em todo sistema em desequilíbrio, há consequências. Clínicas sérias, que investem em estrutura, equipe e protocolos, são as primeiras a sentir o impacto. Veterinários se sobrecarregam, adoecem, se afastam. E os animais, que deveriam ser o centro da equação, acabam recebendo diagnósticos apressados ou tratamentos paliativos, quando deveriam ter acesso a um cuidado completo.
É claro que a tecnologia pode ser aliada da saúde animal. O crescimento das teleconsultas, quando bem regulamentadas e remuneradas, é um exemplo disso. Mas isso é bem diferente de uma “dica de amigo” por mensagem, que nem sempre vem com contexto, histórico ou responsabilidade legal.
O problema não está no WhatsApp, mas na cultura. É a ideia de que cuidar de um pet deve ser barato, informal, quase “de coração”. Só que coração não paga boleto, nem garante saúde. Cuidar de verdade é levar ao profissional, respeitar sua jornada, seu tempo, seu valor.
Veterinário não é ferramenta de busca ou inteligência artificial. É um profissional da saúde. E conhecimento, quando bem aplicado, salva vidas.
Mas, para isso, é preciso que profissionais, empresas e clientes participem da mudança.
Do lado do cliente, é hora de reconhecer que valorizar a consulta é também valorizar a profissão. Validar o conhecimento do veterinário é um ato de respeito com quem se dedicou a estudar, se atualizar e cuidar com responsabilidade. A consulta não é só um gasto: é prevenção, diagnóstico precoce e cuidado de verdade.
Nas clínicas, a comunicação precisa ser estratégica. Acolher é importante, mas orientar com firmeza também é. Muitos responsáveis nem percebem que estão ultrapassando limites, e cabe às equipes mostrarem, com empatia e clareza, até onde vai o cuidado informal e onde começa a responsabilidade profissional. Educar é parte do processo de construir autoridade e fidelizar de verdade.
E, é claro, do lado dos veterinários, estabelecer limites é essencial. O WhatsApp pode ser uma ferramenta útil para agendamentos e atualizações pontuais, mas não deve, em hipótese alguma, substituir a consulta clínica. Quando o profissional estrutura seu atendimento com clareza protege sua rotina e reforça a importância do próprio trabalho.
Se queremos um setor mais profissional, sustentável e respeitado, isso começa com uma escolha simples: reconhecer o valor do cuidado e remunerá-lo com responsabilidade.