A ideia de comer insetos pode causar repulsa na maioria das pessoas. Mas um cachorro não faria careta diante da proteína. Sim, proteína é como esses ingredientes peculiares são apresentados por empresas que apostam nesse tipo de alimento alternativo dentro do mercado pet. Nos EUA, uma das companhias conhecidas pela oferta de produtos à base de insetos é a Jiminy’s, que surgiu em 2016. No Brasil, há também uma opção desde fevereiro: produtos da marca Comida de Dragão podem ser oferecidos a cães, gatos e outros bichos de estimação, como hamsters, coelhos e aves.

Não é qualquer inseto que entra na composição do alimento. No caso da marca brasileira, desenvolvida pela startup do Rio de Janeiro Let’s Fly, o protagonista é uma espécie chamada de Black Soldier Fly (BSF) ou mosca-soldado-negra, em português. A larva do inseto, por sinal, é um dos itens da linha de produtos da Jiminy’s – que também utiliza grilos como base de seu portfólio de alimentos e petiscos.

Bruno Multedo, cofundador e CEO da Lets Fly, explica que a BSF se alimenta de resíduos orgânicos que são normalmente desperdiçados no país, como restos de frutas. Focada na criação de soluções alimentares sustentáveis para o consumo animal – e futuramente para o de humanos -, a startup recorre a esse material para fornecer um substrato nutritivo para as larvas da tal mosca, nativa da região amazônica.

A Lets Fly menciona dados do Embrapa para mostrar a importância desse reaproveitamento. O Brasil produz cerca de 800 milhões de toneladas de resíduos orgânicos por ano. Desse volume, apenas 2% são reciclados adequadamente, segundo a Embrapa. Ou seja, mais de 780 milhões de toneladas acabam em aterros sanitários ou em lixões a céu aberto.

Larvinhas desidratadas

Com o substrato gerado a partir desses resíduos, o ciclo produtivo da BSF se torna extremamente eficiente. “As larvas aumentam até 10 mil vezes o seu tamanho em 14 dias”, revela Multedo. Parte dessa produção é usada na forma de larvinhas desidratadas, oferecidas como alimentos para os pets. Outra é mantida para que elas virem moscas, que vão se reproduzir e produzir novo ciclo de insetos. “Não fazemos nada diferente do que já acontece na natureza. Aprendemos com ela a regenerar restos de comida em novos nutrientes de altíssima qualidade”, afirma Multedo.

De acordo com a empresa, as larvas desidratadas contêm cerca de 45% de proteína bruta e uma cadeia completa de aminoácidos essenciais. Por ser hipoalergênico e com alta digestibilidade, esse alimento é uma opção natural para pets sensíveis a alguns ingredientes comuns em rações industrializadas.

Os tutores interessados nessa alternativa também podem comprar snacks que levam a mosca na composição e outros ingredientes, como legumes.

Um dos produtos é composto de larvinhas desidratadas. (Crédito:Divulgação)

Um ano de desenvolvimento

Multedo conta que ele e seus sócios tiveram inspiração em empresas internacionais, mas com uma diferença: essas companhias operam em um modelo de atacado. Elas produzem e vendem ingredientes para a fabricação de ração animal. No início da Lets Fly, em 2021, esse era o modelo de negócios escolhido. Mas os fundadores perceberam que não havia alternativas no varejo com as características da Comida de Dragão.

Foi necessário um ano inteiro de planejamento para a marca ser oficialmente apresentada – e ela já veio com estrutura de e-commerce. “Uma empresa envolvendo a mosca-soldado-negra nasce complexa, com muitas alternativas e modelos possíveis de fonte de receita”.

O CEO da Lets Fly lembra que, em 2021, o cenário era desafiador por alguns motivos. Um deles era o arcabouço regulatório ainda frágil para esse tipo de investimento no Brasil. Faltavam empresas de alimentos à base de insetos registradas no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A existência de uma barreira psicológica envolvendo esse ingrediente como fonte alimentar também exercia um efeito considerável para o lançamento do produto.

“Para tirarmos a Lets Fly do zero, eliminamos o risco regulatório ao construir nossa primeira biofábrica e registrá-la no Mapa. Isso nos permitiu comercializar oficialmente nossos produtos. Inicialmente, perseguimos o modelo de atacado, por ser mais simples de gerir: seria uma base menor de clientes com volumes maiores por venda. Em 2024, resgatamos a ideia do modelo de varejo ao vermos uma oportunidade ainda maior no mercado pet”, diz Multedo.

O produto está disponível no e-commerce da marca e também em companhias como Mercado Livre e Amazon. Alguns estabelecimentos físicos do Rio e de São Paulo também vendem os alimentos. Um pacote de 90 gramas com as larvas desidratadas custa R$ 35 no e-commerce da marca. Já os snacks (disponíveis em uma embalagem de 180 gramas) saem por R$ 42. E há ainda um clube de assinatura com pagamentos mensais a partir de R$ 31,50.

Em agosto, na Pet South America, evento que acontece em São Paulo e é referência do mercado brasileiro e regional, a Lets Fly vai trazer mais uma novidade: suplementos proteicos. “Em paralelo, estamos expandindo nossa capilaridade por meio do relacionamento com distribuidores, representantes comerciais e a entrada em mais lojas físicas”, acrescenta o cofundador da startup.

Por que “dragão”?

Para quem ficou intrigado com a marca, Multedo esclarece as razões para lançar o produto com o nome de Comida de Dragão. Uma delas é justamente vencer a barreira psicológica que poderia afastar o tutor do alimento. “Diferentemente da larva, o dragão não gera repulsa ou nojo nas pessoas. Pelo contrário, provoca curiosidade, respeito e admiração. Portanto, é uma forma de driblar a barreira psicológica inconsciente do cliente final”, justifica.

Além disso, dragão é um símbolo de transformação, sabedoria e coragem. “Transformamos comida descartada em um novo alimento de alta qualidade. Fazemos isso por meio da sabedoria da natureza, onde não há desperdício. Temos a coragem de inovar e introduzir insetos de maneira declarada como uma solução de alimento que une poder nutricional e sustentabilidade”, ressalta.

Há mais dois motivos: potencial de branding (a figura lendária do dragão pode ser representada de maneiras variadas, com um rico universo de cores e elementos, inclusive de magia) e o valor da comunidade. ⁠”Qualquer animal, pessoa ou empresa pode ser um dragão. Qualquer um que realmente se esforce para melhorar o mundo vibra o espírito do dragão”, completa.