Falar sobre o envelhecimento dos nossos pets ainda é, para muitas pessoas, um território incômodo. E não por falta de afeto — mas porque exige um tipo de maturidade emocional que nem sempre fomos convidados a desenvolver. A maioria dos tutores sabe, em algum nível, que a vida dos animais é mais curta do que a nossa. Mas transformar esse saber racional em preparo afetivo, financeiro e prático ainda é um desafio.
O envelhecimento de um pet não é um ponto de ruptura, e sim um processo. Um processo que se anuncia lentamente, nos sinais do corpo, no cansaço diferente, nos comportamentos que mudam. Um processo que nos obriga a reconfigurar a rotina, adaptar o ambiente, rever a forma de se relacionar. E que, acima de tudo, nos confronta com o tempo — com aquilo que não controlamos, mas podemos acompanhar conscientemente.
Segundo o relatório “What the Future: Pets”, publicado pela Ipsos em janeiro de 2025, 89% dos tutores acreditam que os animais experienciam sentimentos e emoções semelhantemente aos humanos. Isso reforça a importância de não tratarmos o cuidado com os pets como algo técnico ou automático. Estamos lidando com vínculos reais, sensíveis e profundamente significativos.
À medida que o pet envelhece, o tutor começa a sentir a aproximação da perda. Não porque já exista uma despedida concreta, mas porque a percepção da finitude se torna mais evidente. Muitos relatam uma tristeza constante, que aparece mesmo quando o animal continua presente. Esse é o chamado luto antecipatório — um processo legítimo, que precisa ser reconhecido. Ele envolve dor, insegurança, dúvidas sobre decisões futuras, medo de sofrimento. E, muitas vezes, uma sensação de solidão, porque esse tipo de luto ainda é pouco nomeado e validado socialmente.
Na prática clínica e no acompanhamento a profissionais do setor PetVet, observo que os tutores que reconhecem esse luto com antecedência e se permitem vivê-lo com consciência tendem a atravessar a fase final do pet com menos culpa e mais presença. Isso não significa ausência de dor — mas sim maior clareza emocional, facilitando decisões difíceis e evita o esgotamento.
Além do aspecto emocional, há também a necessidade de planejamento. Segundo a mesma pesquisa da Ipsos, 60% dos tutores afirmam que manter um pet custa mais do que imaginavam. E somente 20% acreditam que será mais fácil arcar com cuidados veterinários no futuro. A fase sênior dos animais, normalmente, exige mais acompanhamento clínico, exames, medicações, terapias complementares. Não se trata de transformar o cuidado em um protocolo, mas de compreender que amar também implica preparo: estrutural, financeiro e relacional.
Há, ainda, uma mudança de ritmo. O animal já não interage como antes, precisa de mais descanso, menos estímulo, outro tipo de atenção. Muitos tutores, nesse momento, tentam manter a rotina antiga — por apego, por medo ou por não saber como agir. Mas esse esforço em sustentar o que já não faz sentido pode gerar sofrimento para ambos. Adaptar-se não é desistir. É escolher acompanhar a realidade como ela é, não como gostaríamos que fosse.
Essa fase pode ser profundamente transformadora. E não por idealização — mas porque convida à escuta. Escuta do corpo do animal, da sua linguagem muitas vezes silenciosa, mas também — e com frequência — ruidosa. Alguns pets envelhecem em relativa tranquilidade. Outros atravessam essa etapa com inquietação: mudanças abruptas de comportamento, vocalizações noturnas, desorientação, agitação. É uma presença que se faz ouvir de outro jeito. Barulho e movimento não significam vitalidade — muitas vezes são sinal de desconforto, dor, confusão neurológica. Por isso, escutar significa também acolher essa nova linguagem, entender seus sinais e buscar, junto à equipe veterinária, formas de aliviar esse sofrimento.
Escutar, aqui, é um ato contínuo de cuidado. É observar o que muda no pet, mas também em si: o medo, a exaustão, a dúvida, a culpa. Envelhecer junto é, muitas vezes, estar ao lado de um corpo que exige mais do que antes — mas que ainda ensina, à sua maneira, o valor do tempo vivido.
Preparar-se para o envelhecimento do pet, portanto, não é antecipar o fim — é sustentar o vínculo até onde for possível, com lucidez, respeito e presença. É aceitar que o amor muda de forma, mas não de sentido. E que acompanhar um animal até sua velhice pode ser um dos atos mais éticos, sensíveis e potentes da relação humano-animal.
No fim, é isso que permanece: a presença.
E presença, quando é inteira, vale mais do que qualquer promessa de eternidade.