O labrador Teddy, um cão de serviço, fez um treinamento especial de dois anos até chegar à família de Alice, uma criança com autismo nível 2 de suporte, que apresenta dificuldades de comunicação. Eles estão juntos há dois anos e a companhia constante do animal transformou a vida da menina, hoje com 12 anos. Um dos benefícios foi a redução de crises. Agora, os efeitos positivos estão ameaçados. Mesmo certificado como animal de assistência, o que atesta seu bom comportamento, o cachorro foi impedido de viajar na cabine de um voo da TAP do Rio de Janeiro para Lisboa, para onde a família se mudou. O cão ficou no aeroporto com a irmã de Alice. Eles iriam remarcar a viagem, porém amparados com uma ordem judicial que garantisse o acesso à cabine. Neste sábado, 24, enfim o cachorro iria retornar para a família. Mas a TAP não acatou a decisão e não autorizou o embarque na cabine também nesse voo. Com essa recusa, a separação da menina e seu companheiro dura mais de 45 dias, comprometendo a saúde de Alice e o treinamento de Teddy.

A família decidiu buscar outras empresas aéreas para viabilizar o embarque de Teddy na cabine e fazer com que ele e Alice voltem a se reunir. O médico Renato Sá, pai de Alice, disse que está priorizando a saúde da filha e, por isso, está focado em primeiro assegurar a viagem de Teddy – por enquanto, ele ainda não tem a certeza de que o cachorro irá, de fato, conseguir viajar na cabine. Depois disso, ele irá definir como responder à TAP. Há uma audiência de conciliação daqui a uma semana. De todo modo, está claro o stress pelo qual estão passando.

Eles estão preocupados com mais desgastes. Afinal, na última tentativa de viajar pela TAP, a ordem judicial apenas determinava o embarque do animal na cabine. Nada havia a respeito de cancelamento, o que ocorreu diante do impasse entre a família e a companhia aérea. Sá procurou esclarecer isso em post na mídia social, onde relatou o problema que estão enfrentando com a TAP.

“Estamos muito apreensivos e preocupados com hostilidades. A situação tem ficado pior porque a família depende da assistência do Teddy”, contou o médico.

Foram dois anos de treinamento até Teddy chegar a sua família. A companhia constante do cão teve grande efeito sobre Alice, hoje com 12 anos. (Crédito:Acervo pessoal)

O que é um cão de serviço

Nas redes sociais, a família tem recebido muito apoio. O caso volta a esquentar o debate em torno da viagem de pets em aviões. Neste mês, a quarta turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que companhias aéreas podem negar o transporte de animais de suporte emocional na cabine.
Teddy se enquadra em outra classificação, afirmou Sá. Como cão de serviço ou de assistência, ele foi treinado para executar tarefas que auxiliam pessoas com deficiência ou com condições médicas específicas, como o autismo. Existe certificação internacional para confirmar que o animal foi preparado para cumprir funções de assistência. Ele atua, por exemplo, na identificação de um problema.

“Pelo cheiro do cortisol, Teddy identifica quando há um aumento desse hormônio. Para combater o stress, primeiro ele dá lambidas ou fica perto da Alice. Se é algo mais forte, ele nos procura”, explicou Sá.

Quando está com seu colete onde se lê “service dog”, Teddy está trabalhando. Ele não deve ser tocado por outras pessoas, nem por um afago ou uma brincadeira. É como ocorre com cães-guias. Eles devem estar focados no indivíduo que acompanham.

Já o animal de suporte emocional não precisa passar por treinamento. O pet ajuda no conforto e no bem-estar do tutor que sofre de problemas como ansiedade e depressão. “Pessoalmente, considero que eles também têm direito de viajar na cabine. Só quis mostrar como Teddy nos ajuda na terapia”, acrescentou.

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Falta de esclarecimento

Uma portaria de 2023 da Anac, agência que regula a aviação civil, não faz distinção entre cães de serviço e animais de suporte emocional. Segundo esse texto, a companhia poderá restringir a quantidade de pets embarcados ou negar o transporte de animal de estimação ou de assistência emocional “por motivo de capacidade da aeronave, incompatibilidade com o espaço disponível na cabine da aeronave ou capacidade de atendimento da tripulação da cabine nas situações de emergência ou nos casos em que haja risco à segurança das operações aéreas”.

Se depender do teor da portaria da Anac, no Brasil quem tem animal de serviço não tem a garantia da legislação que assegura a viagem na cabine dos cães-guias. A lei nº 11.126/2005 determina que esses cachorros podem ingressar e permanecer em qualquer meio de transporte acompanhando a pessoa com deficiência visual.

Aprovada este ano pelo Senado e em tramitação neste momento na Câmara dos Deputados, a Lei Joca, que trata do transporte de pets em viagens de avião, define que toda companhia aérea deve oferecer opções de transporte para os tutores levarem seus pets. No entanto, a decisão de levar o animal na cabine ou no comportamento de cargas é da empresa.

O texto prevê, no entanto, que as companhias devem publicar informações atualizadas e completas sobre o serviço.

A lacuna em relação aos animais de serviço promete gerar mais discussões e possivelmente processos judiciais em função dessa falta de clareza. Um problema enfrentado pela família de Alice é exatamente saber se a companhia aérea que escolherem permitirá que Teddy viaje na cabine.

Viagem tranquila pela American Airlines

O labrador já tinha feito uma viagem para o exterior há cerca de dois anos. O voo foi pela American Airlines para um período de férias nos EUA. Teddy viajou na cabine e ficou aos pés da criança durante todo o voo. Como declarou o médico, o cão é treinado para aguentar o percurso inteiro sem fazer alarde. Ele salientou que não houve qualquer problema para o embarque.
A facilidade dessa viagem fez com que a família acreditasse que o voo para Lisboa seria tranquilo. “A grande questão é a falta de comunicação da TAP”, destacou o médico.

A família já percebeu que o caso assumiu uma proporção maior, chamando atenção para outros tutores de cachorros de serviço. “Virou uma questão coletiva. Muita gente não tem acesso a esses cães. E, quem tem, enfrenta a dificuldade de fazer que o cão o acompanhe”, completou.

A justificativa da TAP

Na primeira vez em que Teddy foi impedido de embarcar na cabine do voo da TAP, no dia 8 de abril, a família já estava no aeroporto quando recebeu a informação. Nada antes havia sido comunicado. Sá tinha de começar em seu novo trabalho e não podia adiar a viagem. Por isso, o labrador ficou com Hayanne, sua outra filha. Os demais foram para Lisboa.

No primeiro voo para Lisboa, a família só soube no aeroporto que a TAP não iria liberar o embarque de Teddy. Como o pai de Alice já tinha compromissos profissionais, eles seguiram viagem. O cachorro ficou com sua outra filha. (Crédito:Acervo pessoal)

No segundo voo, a justificativa para não liberar o embarque na cabine foi a segurança dos passageiros. A TAP afirmou que a decisão judicial violava seu manual de operações e lamentou a situação. Foi oferecido o transporte de Teddy no compartimento de carga. A empresa alegou que a passageira não se tratava da pessoa para quem o cão faz companhia. Hayanne não aceitou a oferta, argumentando que um cão de serviço não é manipulado por outras pessoas e que ele não estava treinado para esse transporte.

Sem acordo, o voo foi sendo atrasado até que foi cancelado. Os passageiros foram realocados. Havia mais um com destino a Lisboa, horas depois, mas a companhia não mudou de posicionamento. E, assim, Teddy e Hayanne não embarcaram para Portugal.

Como Teddy entrou para a família

A chegada do labrador à família foi um marco. Eles conheceram o trabalho de um treinador de Ribeirão Preto que prepara cães de assistência. Foram até o especialista e, assim, iniciaram a busca de um companheiro para Alice. Foram três meses de procura.

Quando acharam Teddy, o especialista prosseguiu o treinamento com ajuda de uma treinadora que imitava trejeitos de Alice. Desse modo, o cão se acostumaria mais rapidamente com as atitudes da menina. “É um treinamento muito bonito”, comentou o médico.

O certificado de treinamento de Teddy tem aval internacional. Ele está registrado pelo US Service Dogs, entidade nos Estados Unidos que reconhece e atesta os cães de serviço naquele país e que é uma referência para outras regiões.

O labrador tem certificado da US Service Dogs: o nome completo da tutora e o número do registro foram apagados. (Crédito:Acervo pessoal)